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Estrada “Colonial”
A Estrada Real dos Goiases no DF

A Estrada Real dos Goiases, — “aberta” ou oficializada em 1734, com 3 mil km, da Bahia até a fronteira da Bolívia, — passava dentro do Distrito Federal, ao norte de Brasília.

Quase ignorada pela historiografia tradicional, começou a ser resgatada na década de 1980 por pesquisadores goianos / brasilienses, que desde então iniciaram uma “arqueologia” de seu percurso, identificando-a em inúmeros trechos.

O percurso apresentado acima, feito no Google Earth, é apenas uma hipótese pessoal, provisória, até que localize descrições mais detalhadas dos levantamentos já realizados, em campo, por diversos pesquisadores e trilheiros.

Essa hipótese nasceu da surpresa de encontrar em um mapa organizado durante a construção de Brasília (1957-1960) praticamente todos os nomes citados no diário de viagem do 5º capitão-general da capitania de Goiás, D. Luís da Cunha Menezes ao atravessar o território do atual Distrito Federal, em 1778.

Do Paranã até Vendinha, o mapa de 1957-1960 só não registra o local chamado “Couro”.

No trecho entre Mestre d’Armas e Sobradinho, também não se encontra “Corgo” — mas um “Corguinho”, em uma localização compatível.

A Tabela 1 indica a sequência desses lugares, com a numeração adotada aqui para indicá-los nos 6 trechos do mapa (abaixo).

A segunda “descoberta” — como se pode observar no mapa — é que, a cada córrego, corresponde um local com o mesmo nome, em geral logo acima de suas cabeceiras.

É o caso, por exemplo, do Sítio Novo, do Pipiripau, do Sobradinho, da Contagem, do Rodeador e da Vendinha.

Isso é relevante, considerando que quase não havia pontes, cortes ou aterros para nivelar os caminhos. Subir chapadas, descer grotões para atravessar córregos — e tornar a subir e descer, inúmeras vezes, — seria penoso para o viajante, para os animais de carga, para os rebanhos. Daí, a importância da “estrada” manter-se em terreno plano, — pelo alto das chapadas, — e apenas tangenciar as nascentes mais próximas, a intervalos regulares.

O resultado seria a “estrada” contornar as bacias, pelas nascentes mais altas, evitando “cortar caminho” pelos vales, — em especial, os vales mais profundos e íngremes.

Poucos dias antes, por exemplo, o diário de viagem registrava algo assim:

“Toda essa marcha foi por excelentes caminhos de chapada, vargens e tabuleiros até ½ légua de distância do dito registro, que é de uma descida muito má”.

Longe de ser uma “reclamação” (por incômodo pessoal), era uma anotação técnica, oficial, de uma falha da “estrada”. Aliás, “capitães-generais” eram “engenheiros” — o currículo incluía “fortificações”, “matemática” (balística, trigonometria) etc.

Essa diretriz de contornar bacias ainda era visível no mapa organizado durante a construção de Brasília — com toda probabilidade, a partir do levantamento do terreno por aerofotogrametria, mostrando com exatidão tradicionais caminhos e trilhas ainda existentes ao iniciarem-se as obras da nova capital.

Após mais de meio século de intensas modificações humanas sobre o terreno, as fotos de satélite utilizadas pelo Google Earth ainda mostram os vestígios de muitos daqueles antigos caminhos e trilhas — contornando bacias, e fazendo pequenos desvios para se aproximar das nascentes mais altas.

Para testar essas hipóteses, restava traçar o “provável” percurso da Estrada Real dos Goiases no mapa do Distrito Federal — utilizando o Google Earth — e conferir a extensão efetiva.

O traçado assim obtido tem 115 quilômetros de percurso efetivo — bastante próximo das 20 léguas estimadas pelo governador em 1778.

Primeiro trecho (acima) — O mapa inicial do Distrito Federal, provavelmente de 1957-1960, registrava uma única rodovia, — sem asfalto, — entre Formosa (GO) e Planaltina (DF), com traçado bem diferente do atual [agora, sobe chapadas e desce vales, em linha quase reta, cruzando córregos sobre pontes de concreto].

O relevo e a hidrografia mostram que o volteio da antiga rodovia de terra, — mais ao norte da atual rodovia asfaltada, — tinha como objetivo evitar pontes e atoleiros, além de poupar cortes e aterros.

Em resumo: — Procurava manter-se no topo da chapada, no divisor de águas entre as bacias do Paranã (ao norte) e do Santa Rita (a sudoeste de Formosa, divisa do DF).

Observe a existência de “caminhos” paralelos, ora de um lado da antiga rodovia de terra, ora do outro, mas seguindo o mesmo percurso aproximado: — Sinais de que aquela rodovia de terra adotou o traçado aproximado de caminhos ainda mais antigos.

Vindo de Formosa (GO), a antiga rodovia de terra desviava-se para noroeste e, — só após contornar as últimas cabeceiras do Santa Rita, — infletia para sudoeste, em direção ao Sítio Novo. E isto já exigiu algumas curvas fechadas, para amenizar subidas e descidas, bem como a construção de uma ponte, no fundo de um vale bem “encaixado”, no alto curso do Pipiripau.

A existência de uma estrada alternativa deixa claro que, — talvez em época pouco anterior, — a rodovia de terra dava uma volta ainda maior, ultrapassando o limite norte do DF, para contornar as nascentes mais altas da bacia do Pipiripau, — e, nisto, seguia a diretriz aproximada de um “caminho” ainda mais antigo.

Segundo trecho (acima) — É nas proximidades do Sítio Novo que as duas variantes da antiga rodovia de terra voltam a se reunir, seguindo quase juntas para as proximidades do local chamado Pipiripau, e dali para Planaltina (DF), antiga Mestre d’Armas.

Embora a passagem por Planaltina exigisse a travessia de um córrego, — o Mestre d’Armas, — a descida até o vale era bastante suave, — como também era suave a subida seguinte, para o Sobradinho.

O contorno das nascentes do Mestre d’Armas e do Sarandi, pelo contrário, exigiria outras travessias, e chegaria ao Sobradinho por uma face íngreme, e distante do “Corguinho”.

Pode-se imaginar, portanto, que nesse trecho fosse mais prático cruzar o Mestre d’Armas nas proximidades da atual Planaltina.

Terceiro trecho (acima) — De Planaltina ao Sobradinho, passando pelo “Corguinho”, o relevo é mais favorável ao “caminho” (tracejado) paralelo à antiga rodovia de terra.

Esse caminho se trifurca acima do Corguinho, com uma variante pela atual área urbana de Sobradinho; outra variante pela encosta da chapada fronteira à cidade; e pelo alto da chapada, — variantes que se reaproximam e reúnem nas 3 casas acima das cabeceiras do Brejo do Lobo, chegando ao local indicado como “Sobradinho” onde hoje existem Sobradinho II e o “Setor de Mansões de Sobradinho”.

A variante mais elevada oferece melhor caminho pela chapada, porém a variante intermediária talvez oferecesse descida menos íngreme. A variante inferior, pela margem esquerda do Sobradinho e margeando a atual área urbana de Sobradinho, talvez oferecesse melhor passo a uma boiada, por exemplo, apesar da travessia exigida ao final.

A antiga rodovia de terra, mais ao sul, atravessava o centro da atual cidade de Sobradinho, — que no mapa é inidicada por “Larga ou Olho d’Água”, — atravessaria o vau bem mais abaixo e chegaria às proximidades do que o mapa indica como “Sobradinho Paranoazinho”, de onde também é possível uma passagem suave para o alto da Contagem.

Quarto trecho (acima) — Do local marcado no mapa como “Sobradinho” (7), o antigo caminho (tracejado) seguia o divisor de águas entre as bacias do Sobradinho e do Contagem para chegar, — por caminho relativamente íngreme, — ao alto do local indicado no mapa como “Contagem”, a 1.280 metros de altitude, bem acima das cabeceiras do ribeirão da Contagem.

Quinto trecho (acima) — Este trecho, apesar da simplicidade visual, apresenta algumas dificuldades quanto aos nomes, distâncias e, portanto, localizações.

Note que o diário do governador fala “Contagem de São João das Três Barras”, — no entanto, a “Contagem” (8) está, ainda, bem longe do lugar situado sobre as cabeceiras do “Três Barras” (9). E não existe “São João” no nome do córrego Três Barras.

Além disso, o diário do século XVIII dá uma distância de apenas 2 ½ léguas de Sobradinho a São João das Três Barras — e 6 léguas de São João das Três Barras ao Rodeador, — o que é mais compatível com o local chamado “Contagem” (8).

Esse visível desdobramento da antiga “Contagem de São João das Três Barras” em dois lugares diferentes, — “Contagem”, num local; e “Três Barras” (sem “São João”), em outro, — pode ser o reflexo de uma mudança na localização do “posto fiscal”, detectada por Paulo Bertran:

E onde ficava exatamente a famosa Contagem?

É um mistério histórico e arqueológico: o mapa-esboço de Tossi Colombina, de 1749, menciona a «Contage do pé da Serra de São João», e em tal caso estaria em algum ponto ao lado da estrada Colorado-Fercal, a qual acompanha o pé da serra. Já os roteiros de viagem de D. José de Almeida Vasconcelos (1773) a situa a 27 quilômetros de Mestre d’Armas e o de D. Luís da Cunha Menezes (1778), a 15 quilômetros de Sobradinho. Ambas as medidas, plotadas sobre os mapas modernos — não pelas atuais vias asfaltadas, mas pelo sinuoso traçado das antigas estradas cavaleiras que, não obstante o tempo, ainda se reconhecem no arruamento de Sobradinho — levam-nos às proximidades das ruínas da fazenda da Contagem, nas cabeceiras do córrego do mesmo nome.

Deve ser ali uma segunda Contagem, mudada, em época que se desconhece, do sopé para o alto da serra de São João, da qual dizia D. Luís da Cunha Menezes, em 1778: «sítio tão frio que no mês de junho, que é a maior forma de inverno, chega a cair neve, tem muito boas frutas principalmente de coquinhos e um nascimento de água excelente» [p. 85-86].

A localização aceita, portanto, — para “uma segunda Contagem”, — é a da “Contagem” assinalada no mapa, acima das cabeceiras do córrego ou ribeirão da Contagem.

Ali, Paulo Bertran encontrou indícios que poderiam confirmá-lo:

Antigos moradores, vizinhos do mangueiral bravio que restou do antigo sítio, mostraram-nos um incrível e grande olho d’água borbulhante, vazando enorme quantidade de água em pleno cerrado, e próximo a ele, um antigo rego semi-entulhado que segue em direção às ruínas.

A tapera em si é uma autêntica lição de eco-história. É grande, cobrindo uma área de talvez meio hectare, e quando lá estivemos, em companhia do geólogo Tadeu Veiga e sua família, o capim meloso — ou gordura, ou catingueiro, de grande valor alimentar para o gado — cobria todo o recinto, impedindo ver restos de edificações, que seguramente existem.

Na entrada do recinto, desponta, numa pequena mancha de arbustos, uma palmeira guariroba, depois do que, através de um mar de capim meloso, chega-se ao quintal das mangueiras.

Deve haver umas vinte ou trinta mangueiras adultas e uma árvore gigante de gameleira, tudo isso entrançado a arbustos diversos.

No entanto, sob as mangueiras, a área é limpa: nem mesmo o capim gordura sobrevive à sua sombra e isto explica parcialmente a sobrevivência delas ao fogo que deve chamuscar tudo, todo ano.

Nem todas porém têm essa sorte. Vimos na área em volta grandes troncos carbonizados, indicando que ano após ano, uma vez atingida pela queimada, a vegetação invasora tende a completar seu cerco incineratório contra a árvore exótica: mangueiras que um dia migraram do bucólico rio Ganges hindu para as vastidões do cerrado brasileiro e que aqui adaptaram-se excelentemente.

Tenha sido ali ou não a Casa da Contagem, dúvida não há de que o lugar era habitado ao tempo da missão Cruls, em 1892: encontra-se entre os itinerários então levantados, a indicação da fazenda da Contagem, no mesmo ponto em que se encontra a tapera. Segundo informação dos vizinhos antigos, até ao advento de Brasília, existiu ali um curtume e uma sede de fazenda. Hoje pertence o sítio à área de proteção hídrica da Caesb, nascente que é do ribeirão Contagem.

Mas e a contagem primitiva…«do pé da serra de São João…», onde seria?

Há uma inconsistência intrigante, nessa proteção hídrica do ribeirão Contagem, que não corre para o Parque Nacional de Brasília, onde se captam as águas do Santa Maria, afluente do Torto, a sudoeste da Contagem. O ribeirão Contagem, indicado no mapa, corre para o norte, rumo ao alto Tocantins, fora do DF.

Quanto à localização anterior do “posto fiscal” d’El-Rei, que Francesco Tosi Colombina indicava como «Contage do pé da Serra de São João», Paulo Bertran não apresenta motivo para situá-lo ao norte da chapada da Contagem, no meio de grotões profundos e íngremes, onde nenhum viajante, tropeiro ou boiada precisava mergulhar, se — como vimos até aqui — a lógica da estrada era manter-se em terreno plano, elevado, com o mínimo de travessia de vales e córregos, por dispor das altas nascentes a curta distância dos divisores de águas.

Pelo contrário, se admitirmos — como admitia Paulo Bertran — que “São João das Três Barras” refere-se ao córrego “Três Barras” (9), afluente do Torto, dentro do Parque Nacional de Brasília, a tal “Serra de São João” seria a chapada logo acima de suas cabeceiras mais elevadas, não muito longe do Rodeador (10).

Neste caso, a sequência de referências torna-se lógica — da Contagem (8) ao Rodeador (10), sempre em terreno elevado, plano, pelos divisores de águas, evitando travessias de vales e córregos — citados sempre por suas cabeceiras mais altas, raramente por seus vales extensos ou águas encorpadas.

Transferido o “posto fiscal” para a atual “Contagem” (8), e levando consigo o nome de “São João das Três Barras”, a cabeceira do córrego “Três Barras” poderia ter adquirido outro nome, até para evitar confusão no dia-a-dia da época. “Couro”, por exemplo. É compatível com as distâncias: — “De São João das Três Barras (…) ao Couro 2 léguas, ao Rudiador 4 léguas”.

“Três Barras” (9) não é um local tão “baixo”, — nada dramático, como sugere a expressão “do pé da serra”; talvez 40 ou 60 metros menos alto que a “Contagem” (8), — mas a localização um tanto “deprimida”, do lado interno a uma curva da chapada, talvez não contribuísse para exercer um bom controle visual da região externa.

Já a localização na “Contagem” (8), ponto mais alto da região, a 1.280 m de altitude, permitiria controlar visualmente várias léguas ao redor.

Sexto trecho (acima) — Sempre pelos divisores de águas, o caminho do Rodeador ao alto da Vendinha permitia sair do atual Distrito Federal de pés secos, entre as nascentes do Santo Antônio do Descoberto, que corre para o sul, e as dos rios que correm para o norte.

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